Menu Close

Outubro Rosa: Mulheres com alto risco de câncer de mama ainda enfrentam longas filas de espera

Mulheres esperam para fazer exames numa unidade móvel de mamografias durante as ações do Outubro Rosa deste ano em Brasília, DF. AP Photo/Matias Delacroix

O Brasil enfrenta ainda muitos desafios que comprometem a saúde e a vida de mulheres com câncer de mama, apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento. O câncer de mama é o segundo tipo mais comum entre as mulheres e a principal causa de morte por câncer no país.

Dados recentes do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer (Inca) mostram que, em 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou cerca de 4 milhões de mamografias de rastreamento a partir dos 35 anos de idade. Desse total, 2,6 milhões dos exames foram mulheres com idade entre 50 e 69 anos, sendo 395 mil com finalidade diagnóstica, ou seja, para identificar achados suspeitos.

Dentre as mamografias realizadas, cerca de 20 mil apresentaram resultados que indicam suspeitas graves e altamente sugestivas de câncer (BI-Rads 4 e 5). A classificação internacional BI-Rads (Breast Imaging Reporting and Data System) é adotada para padronizar os laudos de mamografias, variando de 0 a 6 conforme o nível de suspeita de câncer.

A média brasileira de resultados BI-Rads 4 e 5 nas mamografias de rastreamento permanece em 11,8%, próximo ao limite superior considerado aceitável (12%) pelo Breast Cancer Surveillance Consortium. Em algumas regiões, como Distrito Federal, Roraima, Tocantins, Maranhão, Pará, Amapá, Ceará e Rio Grande do Norte, as taxas chegaram a 14% ou mais.

Resultados BI-Rads 4 indicam que a lesão é suspeita, com uma chance de malignidade que varia entre 10% e 50%, enquanto os resultados BI-Rads 5 apresentam uma probabilidade superior a 95% de câncer. Essas informações deveriam ser suficientes para facilitar uma navegacão rápida e eficiente pelo sistema ou, no mínimo, agilizar uma biópsia.

Nos dias atuais, mulheres que recebem esses resultados enfrentam filas de espera junto com muitas outras mulheres para confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento, o que é um despropósito sob qualquer ponto de vista.

Se já sabemos que esses casos são de alto risco, por que o sistema de saúde não implementa uma política objetiva, efetiva e necessária para atender com celeridade essas mulheres?

A demora ou rapidez no atendimento e agilidade nos exames muitas vezes é o que define se elas irão viver (e qual será sua qualidade de vida) ou morrer. Esse é um gargalo que precisa ser solucionado com urgência pelas autoridades de saúde.

Vale destacar e parabenizar aqui que, pelo menos, no Estado de São Paulo essa regra já existe e consta no protocolo de alta suspeição. O protocolo está em revisão neste momento, com previsão de amplo treinamento das equipes da atenção primária, que são as protagonistas deste assunto. Quem acolhe, direciona e acompanha.

Depois da mamografia

A espera pelo início tratamento é um fator crítico. Os números oficiais revelam que, em 2023, cerca de 50,9% das mulheres com câncer de mama levaram mais de 60 dias para iniciar o tratamento após a confirmação do diagnóstico. A situação é ainda mais preocupante nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde os atrasos são mais pronunciados. Em 2022, essa taxa foi de 59,5%. Mesmo assim, o índice permanece muito elevado.

Em contrapartida, as regiões Sul e Sudeste registram uma maior proporção de tratamentos iniciados dentro do prazo estipulado pela Lei 12.732/2012, que determina o começo do tratamento oncológico em até 60 dias após a confirmação do diagnóstico. Essa lei foi uma conquista importante, mas sua implementação eficaz é imprescindível para que as pacientes recebam o cuidado necessário no tempo adequado.

O diagnóstico tardio agrava o panorama. Infelizmente, cerca de 41,2% (2023, MS/Inca) dos casos de câncer de mama ainda são encontrados em estágios avançados (III e IV), o que representa um desafio significativo para o sistema de saúde.

Em locais como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, os percentuais de diagnósticos em estágios iniciais (in situ e I) são mais altos, representando quase um terço dos casos. Porém, em áreas como Alagoas, Mato Grosso, Amazonas, Amapá, Ceará e Pará, mais da metade dos diagnósticos ocorre em estágios avançados, o que aumenta a complexidade e o desgaste do tratamento.

A continuidade dessas mulheres no sistema de saúde após o diagnóstico segue ainda burocrática, demorada e desumanizada. Persistem falhas graves na comunicação entre o sistema de saúde e as pacientes, levando a atrasos que podem comprometer a eficácia do tratamento. É evidente que um sistema transparente e mais eficaz precisa ser implementado, assegurando que essas mulheres sejam chamadas para o acompanhamento e o tratamento sem demora.

Não se trata somente de aumentar o número de mamografias, mas da necessidade de garantir que as mulheres com resultados BI-Rads 4 e 5, bem como aquelas com histórico familiar de câncer, sejam atendidas com a urgência que suas condições exigem.

Transformar o cenário do câncer de mama no Brasil exige uma abordagem ampla que associe ciência, tecnologia e um atendimento empático. Cada dia de espera, cada consulta perdida, é uma vantagem a menos diante de uma doença que pode ser curada ou controlada.

Se já sabemos quem mais precisa de atenção, por que não utilizar a tecnologia existente para priorizar esses casos?

E embora saibamos que o SUS opere com limitações de recursos e uma alta demanda, é cada vez mais possível utilizar tecnologia e ciência para priorizar quem mais precisa de atendimento. O uso de algoritmos e protocolos, juntamente com campanhas que conscientizem sobre a importância do rastreamento e do tratamento, é o caminho que devemos seguir. É hora de agir, é hora de priorizar, é hora de salvar vidas.