Menu Close

Pesquisa descobre que bueiros servem de berçário para larvas do Aedes aegypti e outras 200 espécies

Bueiro danificado, com acúmulo de água, lixo e detritos: realidade comum nas grandes cidades brasileiras, que estudo realizado em Presidente Prudente (SP) comprovou estar contribuindo para um novo aumento no país do número de casos de dengue, um problema multifatorial cujo controle exige abordagens inovadoras e integradas. AP Photo/Silvia Izquierdo

O município de Presidente Prudente, no oeste paulista e com uma população de aproximadamente 230 mil habitantes, apresenta recorrentes surtos de dengue, com um padrão que se intensificou desde 2015, tornando a dengue uma preocupação constante.

A cidade é um importante polo regional no setor de serviços, agronegócio e educação. Porém, a prosperidade econômica contrasta com os desafios de saúde pública enfrentados pela município, especialmente no que refere à dengue.

O ano de 2016 registrou 12.962 casos confirmados de dengue e 29 óbitos, o que colocou Presidente Prudente entre as cidades com maior letalidade no Brasil. Embora tenha ocorrido uma queda nos anos seguintes, a dengue voltou a crescer em 2019, com 7.614 casos e três óbitos.

Em 2023 o cenário piorou muito, com 36.168 casos e 24 óbitos.

Até outubro deste ano, foram confirmados 930 casos e 1 morte. Os números chamam a atenção para a necessidade de novas abordagens no combate à doença e questionam a eficácia das medidas convencionais até então adotadas.

Na condição de supervisora da Vigilância Epidemiológica Municipal de Presidente Prudente, é motivo de preocupação as intervenções municipais não resultarem na diminuição esperada dos casos de dengue, especialmente em áreas de vulnerabilidade social.

A resistência do Aedes aegypti aos inseticidas, as condições climáticas favoráveis e o acúmulo de lixo em áreas urbanas são fatores conhecidos, mas decidi investigar se existiam outros fatores que não haviam sido considerados até o momento.

Durante um treinamento em Brasília, ouvi o relato muito interessante de um colega de Vitória (ES) e li um estudo feito em Salvador (BA), que chamavam a atenção para a possibilidade de bueiros e bocas de lobo servirem como criadouros de larvas do mosquito.

Como esse aspecto não havia sido considerado em Presidente Prudente, resolvi investigar a presença de larvas nesses locais. As conclusões desse estudo foram publicadas recentemente na revista científica Frontiers of Public Health.

Risco comprovado

Entre 2019 e 2021, percorremos diversas regiões da cidade e mapeamos cerca de 12 mil bocas de lobo. Com o apoio e orientação do professor Edilson Ferreira Flores, da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo, focamos nossa análise em 5.492 bueiros.

O mapeamento desses pontos nos permitiu entender melhor a relação entre essas estruturas e os surtos da doença. Cerca de 91% foram classificados como sujos ou danificados, o que permite a presença de água parada, em ambiente propício como criadouro do mosquito transmissor da doença. Sabidamente, as larvas ou pupas criam-se em águas sujas, com pouco ou nenhum movimento.

Um total de 18% dos bueiros estudados apresentaram água em seu interior, algo que não deveria acontecer, considerando que tal dispositivo é para drenar a água totalmente.

O estudo revelou a presença de uma quantidade significativa de larvas do Aedes aegypti nesses locais, principal vetor da dengue, em 9% das amostras coletadas, além de uma menor quantidade de mosquitos adultos.

Aranhas e escorpiões

Encontramos também 240 espécies diferentes de organismos, incluindo mosquitos do gênero Culex(o pernilongo), Aedes albopictus e aegypti entre outros; cerca de 45 tipos de aranhas e até escorpiões. Essas descobertas reforçam a importância de considerar os bueiros não apenas como reservatórios de água, mas como ambientes propícios para a reprodução de vetores que afetam a saúde pública.

Com o uso de técnicas avançadas de georreferenciamento e análise estatística, correlacionamos a presença de larvas nos bueiros e a ocorrência de casos de dengue, evidenciando que esses locais desempenham um papel crucial no ciclo de proliferação do Aedes aegypti.

Foi o primeiro estudo, na ciência mundial, a constatar essa relação direta. A descoberta pode ajudar a mitigar os altos índices de dengue não apenas na nossa cidade, mas em outras áreas urbanas ao redor do planeta.

A nova vertente de pesquisa aponta para a necessidade de uma abordagem integrada que inclua a limpeza e manutenção desses pontos. No entanto, somente a limpeza dos bueiros não resolverá o problema.

Durante nossa pesquisa, observamos que algumas cidades utilizam um caminhão especializado que facilita a higienização dessas estruturas, reduzindo o tempo de limpeza de um dia para uma hora. Um equipamento desse tipo aumentaria a eficiência das intervenções e otimizaria o uso de recursos.

No entanto, em Presidente Prudente ao menos, a aquisição desse equipamento, orçado em cerca de R$ 2 milhões, depende de futuras parcerias e do apoio de instituições governamentais e privadas.

Mais um aspecto importante evidenciado pela pesquisa é a necessidade de ações educativas contínuas, o que exige um esforço coordenado entre o poder público e a sociedade. Em muitos bairros, por exemplo, os moradores fecham os bueiros devido ao mau cheiro, o que favorece ainda mais a proliferação de mosquitos.

Além disso, a população muitas vezes não adota práticas adequadas de prevenção, como a eliminação de focos de água parada em suas residências. A falta de campanhas educativas eficazes contribui para a persistência do problema.

No futuro, pretendo aprofundar a análise sobre a presença de mosquitos em bueiros em áreas urbanas e expandir o estudo para analisar outras espécies encontradas, como aranhas e escorpiões. A parceria com instituições acadêmicas será fundamental para identificar as implicações desse ecossistema para a saúde pública e propor novas possibilidades para o combate à dengue.

Nosso estudo reforça que a dengue é um problema multifatorial que exige abordagens inovadoras e integradas para seu controle. O foco nos bueiros como criadouros até então ignorados oferece uma nova perspectiva para as políticas públicas de controle de vetores. Recursos e parcerias são necessários para que essas descobertas possam ser aplicadas em ações concretas e assim reduzir a incidência da doença em áreas urbanas no Brasil e outros países.